"Melhor do que ler a coluna do Veríssimo num domingo ensolarado de manhã, esperando a chegada do café para pular na piscina, é ler o Letras e Harmonia a qualquer hora em qualquer lugar", Zé- operário.



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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Pequeno desvio

Olá, gente!

Acabei de publicar um conto natalino na seção Literário do Comunique-se. Disponibilizo o texto aqui também. Lá vai:

- Calma, meus filhos! Meia hora de atraso não é lá essas coisas. Quando tinha a idade de vocês, precisei esperar durante uma hora e meia, certa ocasião – disse a mãe aos dois filhos.

Apesar do apelo dela e da tranqüilidade do pai Rubens, Binho e Gabi (de 5 e 6 anos, respectivamente) estavam bem ansiosos, tensos. Nunca na vida deles Papai Noel havia atrasado tanto. No máximo, dez, quinze minutos há dois anos.

A ceia começou às 19h30, com mesa farta, brincadeiras e risadas. Um ótimo ambiente até 00h05, quando a aflição e a expectativa das crianças começaram a se intensificar. “Manhê, ele não vem esse ano não?”, perguntou Gabi, a primeira a expressar o nervosismo.

Os pais, experientes, não se preocuparam.

- Vem sim, filha. Vem sim. Espera só mais um pouquinho. Enquanto isso, por que vocês não brincam com os joguinhos que o papai comprou para vocês? – sugeriu a mãe, Marília.

Rubens acrescentou:

- Ainda nem abriram todos...

A idéia não agradou, digamos, muito aos filhos. A todo momento olhavam o relógio, o que contribuía cada vez mais para o tempo passar devagar, bem devagar.

- Amor, liga a TV para saber se tem alguma coisa interessante – pediu Marília ao marido, que atendeu.

Ele trocou algumas vezes de canal até deixar na emissora de notícias. Informaram sobre o Natal na Ásia. Imagens de famílias reunidas comemorando a data e a passagem do Papai Noel. “Bom, por lá ele andou”, comentou Marília.

Um pouco depois, apareceu uma tarja com o seguinte título: “Papai Noel desaparece no Rio de Janeiro”. As crianças, que moravam no interior do estado, abriram a boca. Choraram com toda potência. A partir de então, todos ficaram bem atentos ao jornal.

Durante a passagem de bloco, a apresentadora anunciou: “E não perca a seguir: Papai Noel foi fotografado desembarcando no Rio, mas até agora o paradeiro dele é desconhecido. Crianças e adultos temem pelo futuro dele. E veja também: Flamengo contrata Ronaldinho Gaúcho para o Campeonato Brasileiro. Tudo isso e muito mais, em instantes”.

- Você viu? – perguntou Rubens.

- Claro – respondeu a esposa – será que assaltaram o Papai Noel?

- Não, eu estava falando do Ronaldinho. Agora o Flamengo ultrapassa o São Paulo de novo.

- O que você está falando? As crianças aí preocupadas e você interessado em futebol...

O clima não era dos mais agradáveis. Outras milhões de famílias viviam a mesma incerteza e a possibilidade de frustração das crianças. Suspense. A notícia já rodara o mundo inteiro a essa hora, contribuindo bastante para manchar a imagem do Rio. Mesmo sem prova, boatos circulavam associando o episódio à violência na cidade carioca.

O caso começava a tomar proporções incontroláveis e ameaçava afetar as relações diplomáticas entre o Brasil e outros países. O Natal estava confuso, conturbado.

O primeiro-ministro da Finlândia, Matti Vanhanen, chamou a imprensa para proferir um discurso. Foi relativamente breve. Em resumo, durante vinte minutos ameaçou endurecer as relações políticas com o Brasil, “se o caso não for resolvido logo”.

A essa altura, a confraternização natalina havia ficado para trás. O mundo inteiro estava atento aos mais diversos veículos de comunicação. Um site asiático anunciara que Papai Noel havia sido vítima de uma organização terrorista, que possuía uma sede no Brasil. Poucos deram credibilidade.

A Coca-Cola, que patrocinava o Bom Velhinho, emitira uma nota à imprensa, na qual dizia “aguardar ansiosamente o desfecho satisfatório do lamentável episódio”.

Gabi e Bino já nem estavam mais dispostos a ficar acordados para acompanhar a história. Foram dormir. Nem assistiram a Mamãe Noel na TV. Ela se limitou a dizer que depositava confiança na polícia brasileira.

Por volta de 4h30, a polícia recebeu uma denúncia anônima informando que Papai Noel havia passado por um determinado bar, onde tomara cerveja, tocara (bem mal) cavaquinho e cantara samba de raiz com moradores da localidade.

Essas informações facilitaram o trabalho da polícia, que avançou e recolheu mais pistas, até chegar a um baile funk, onde Papai Noel, devidamente caracterizado, dançava créu até o chão. Foi difícil convencê-lo a sair da pista de dança, mas ele saiu e explicou tudo na delegacia, perante à imprensa, logo após ter telefonado para a sra. Noel.

Ele disse ter encontrado um cantor de funk, um mc, assim que chegou ao Rio. Um pouquinho de papo já fora o suficiente para Papai Noel aceitar conhecer o funk carioca, “muito famoso na Europa”.

- Tinha muita vontade de conhecer um pouco mais a cultura, mas não havia a oportunidade.

O trenó ficou numa garagem próxima ao baile onde o velhinho passou a noite. Gostou tanto que autorizou o mc a gravar uma música sobre ele. Embora tenha pedido desculpas a todos pelo que assumiu como “irresponsabilidade”, a brincadeira o prejudicou. A Coca-Cola anunciou o rompimento do contrato com o Papai Noel, que se beneficiava de bons faturamentos, além de bingos aos domingos.

Sem perder tempo, a Pepsi fechou contrato com o maior símbolo do Natal. Uma das cláusulas exigia que o velhinho usasse roupas azuis, em substituição às tradicionais vermelhas. A Coca-Cola, em contrapartida, tentou assinar com o Coelhinho da Páscoa, desempregado desde que uma grande rede que comercializava cenouras faliu.

O Coelhinho, porém, anunciara que havia acertado com uma empresa que fornecia sucos de cenoura e jiló no interior de Minas Gerais. Assim, a Coca firmou parceria com algumas forças armadas do mundo, entre elas a do Brasil, que passou a adotar fardas vermelhas.

Ah, quanto às crianças brasileiras, só receberam os presentes três dias depois, já que Papai Noel perdera o saco com os brinquedos.

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