"Melhor do que ler a coluna do Veríssimo num domingo ensolarado de manhã, esperando a chegada do café para pular na piscina, é ler o Letras e Harmonia a qualquer hora em qualquer lugar", Zé- operário.



Contato:
brunolara_@hotmail.com

domingo, 28 de dezembro de 2008

Até tu, Brutus?




Raaaaaaaaaaaaaa! Pensou que eu não voltaria mais em 2008, hein! Pegadinha do Malaaaaaandro!!!


Posto agora outro conto natalino. Este, publiquei dia 20 de dezembro do ano passado no Comunique-se. Espero que gostem:

O dia era típico de outubro para Papai Noel (ou Joulupukki, comumente conhecido na Finlândia), que já recebia os primeiros pedidos de Natal. Cartas de diversas partes do mundo chegavam à cidade de Rovaniemi, com pedidos não só de crianças, mas de alguns adultos também. De uma forma geral, os desejos não variavam: bicicletas, patins, carrinhos e bonecas. Já os adultos eram um pouco mais ousados: carros, piscinas...

Porém, depois de três horas abrindo os envelopes, Papai Noel atentou para uma carta da América do Sul. O lado exterior já chamava a atenção pelo colorido. Algumas pessoas pintavam a carta para que esta se destacasse entre as outras.

“Prezado Papai Noel,

é a primeira vez que escrevo para o senhor. Sei que está acumulado de serviços, mas o meu pedido é urgente. Diria que seja a última esperança. Moro no Brasil, onde sou humilhado, explorado e maltratado. O que ganho não é o suficiente para me alimentar. Por um bom tempo acreditei que a situação iria melhorar, mas essa hora nunca chegou. Não peço nada de muito caro, como mansão e casaco de pele; não peço vingança aos que me desprezam. Só peço uma vida digna, honrada. Só quero conhecer o lado feliz da vida. Não apenas trabalhar e dormir, mas diversão também.

Espero ser atendido.

Obrigado, Papai Noel.

Ass: Povo do Brasil”.

O Bom Velhinho realmente ficara emocionado com o texto. Há muito tempo ele não recebia um pedido de Natal que não fosse algo material. Desde a proliferação da publicidade e do avanço capitalista, principalmente nas últimas décadas, as cartas natalinas passaram a revelar o egoísmo enraizado no mundo. “Me lembro de uma menina, não devia ter 9 anos, que desejou o vestido mais caro do planeta para pôr inveja na amiga”, recorda com tristeza o Velhinho.

Entretanto, aquela carta tocara de verdade o coração do Papai Noel, que não tinha dúvidas: o primeiro pedido a ser realizado na madrugada do dia 25 de dezembro seria o do Povo do Brasil. Todos os outros países teriam que esperar um pouquinho mais.

Geralmente, ele começava a distribuição dos presentes pelo próprio país onde morava. Depois de completar a Europa, ele viajava para Ásia, Oceania, América do Norte, América Central e do Sul. Por último, a África, onde quase não haviam pedidos.

Os presentes no Brasil só costumavam chegar no finalzinho da madrugada, depois das 4h. Mas, dessa vez, seria o primeiro país. O povo receberia o presente aguardado com muita ansiedade.

Enquanto a população mundial externava a euforia com a aproximação do Natal, Papai Noel, geralmente, mantinha a serenidade. Já realizava aquele trabalho há anos e anos. Não sentia mais a motivação de antes. Bastava fazer o “feijão com arroz” de todo mundo e pronto!

Porém, esse ano era diferente. O Velhinho demonstrava entusiasmo com o advento do Natal. O motivo? Aquele pedido original do povo brasileiro. Nas redondezas de Rovaniemi não havia quem não notasse o ânimo diferente do Bom Velhinho. Conviver ao lado de um dos principais ícones da história se tornou habitual para os moradores da Finlândia. Afinal, eram vizinhos.

- Bom dia, “Joulupukki”! Teremos alguma surpresa especial este ano? Essa sua alegria não me engana! – comentou Aland.

- Cada Natal é especial, meu jovem. Todo ano uma alegria a mais – retrucou Papai Noel, sempre sorridente.

Já passavam das 22h do dia 24 de dezembro quando o símbolo natalino se preparava para a cansativa, mas prazerosa, tarefa que realizaria durante a madrugada. A pretensão era chegar ao Brasil bem à 0h. O trenó e as renas só esperavam o momento de partir.

No Brasil, o silêncio imperava quando Papai Noel aterrissou. Brasília seria a primeira cidade a ser contemplada com os presentes. Como todos ceavam nos respectivos lares, as ruas estavam desertas, o que contribuía para o espetáculo solitário das luzes que encantavam a cidade naquela época. Papai Noel sempre reconheceu que o Brasil era um dos países mais dedicados ao espírito natalino. Desta vez, entretanto, o Velhinho desconfiava que o povo sabia a surpresa. Os enfeites tinham um brilho especial, uma magia diferente, ainda mais encantadora.

Ao descer do trenó, o Velhinho foi surpreendido por um senhor bem vestido. Ele usava um terno preto, uma camisa branca e uma gravata verde escura. Os cabelos grisalhos acusavam a idade de, aproximadamente, 50 anos. Papai Noel se assustou, porque estava acostumado a agir sem ser visto. Assim ordenava a tradição.

- Olá, Papai Noel! Posso ter uma palavra com o senhor? – indagou o misterioso senhor.

- Desculpe, meu filho, mas estou bem ocupado. Como o senhor sabe, hoje é Natal e tenho muito trabalho durante a madrugada.

Não satisfeito, o homem insistiu, apesar da recusa do Papai Noel em perder tempo ali.

- Seja rápido, por favor. O mundo inteiro me espera.

O senhor de preto era um deputado federal e pretendia fazer uma proposta ao maior símbolo natalino. O parlamentar sentou-se no banco da praça onde estavam. Papai Noel, que preferiu permanecer em pé, rendeu-se após o primeiro garantir que o papo não demoraria mais do que cinco minutos.

- Papai Noel, antes de qualquer coisa, gostaria de confessar a minha enorme admiração pelo senhor. Sempre o considerei muito especial, desde criança. Mesmo depois de adulto, mantive o sentimento. Para os meus filhos, o senhor representa muito. Aliás, para as crianças do mundo inteiro. Mas, vamos ao que interessa.

Papai Noel mudou a expressão quando o deputado mostrou-se mais direto. A curiosidade tomou conta dele, que até então só estava preocupado com o trabalho. O deputado continuou:

- Sei que o povo enviou uma carta fazendo pedidos ao senhor. Mas, deixei de passar a noite com a minha família para impedir isso. O senhor não pode realizar os desejos.

- Como não?! Essa gente só quer melhorar a qualidade de vida.

- Exatamente. O senhor é inteligente e sabe que se realizar os desejos, muita gente vai ser contrariada, inclusive eu – disse o deputado. - Tenho uma proposta ótima para o senhor e para o povo de Rovaniemi.

A tensão tomou conta do ambiente. Os olhos não piscavam. Enquanto Papai Noel mantinha o silêncio para ouvir a proposta, o deputado tentava decifrar a mente do interlocutor. Ninguém piscava. Olho no olho. Quem desviasse o olhar seria considerado fraco. Papai Noel disse: “prossiga”. O deputado o atendeu:

- Tenho em mãos uma quantidade grande de dinheiro, o suficiente para qualquer um viver tranqüilo, sem preocupações. Seu povo também poderá desfrutar a quantia. É muito. Aposto que lá ninguém pensou em receber tanto.

O discurso não surpreendera Papai Noel, que, ao longo do papo, desconfiou da proposta. O que mexeu com ele foi o número de notas “vivas”. Realmente, o Bom Velhinho jamais vira tanto dinheiro. Eram notas altas e autênticas, como percebera.

Em troca do montante, bastaria não presentear o Brasil. De um lado, a vontade de ajudar a população daquele país, que vivia há tempos sob precárias condições. Do outro, a tentação de aposentar-se e proporcionar ao povo de Rovaniemi uma vida imensamente confortável.

Papai Noel sobrevivia cobrando taxas dos pais que levavam os filhos para visitar a casa dele. Após o Natal, o número de visitas caía a quase zero. A dúvida prevalecia, mas ele só decidiu o que fazer quando o deputado acrescentou:

- Eu dobro a quantia.

Nunca mais houve Natal.

Nenhum comentário: