"Melhor do que ler a coluna do Veríssimo num domingo ensolarado de manhã, esperando a chegada do café para pular na piscina, é ler o Letras e Harmonia a qualquer hora em qualquer lugar", Zé- operário.



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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Homens de gabinete


Sempre escutamos incentivos de todos os lados para lermos livros. Todos, de qualquer assunto. Neles costumam estar palavras de sabedoria, de quem entende muito ou um pouco de determinada questão. Quem lê, conhece mais, sabe mais.

Disso, não há dúvida, mas pode ser que só a leitura não seja o suficiente para viver, para saber se virar e aprender. Após anos e anos de muito estudo, René Descartes descobriu que a vida é feita de mais do que centenas de páginas coladas umas nas outras protegidas por capa. Ele preferiu a experiência, um outro tipo de contato com a vida. E condenou o que chamou de homens de gabinete, os que dedicavam-se intensamente aos afazeres teóricos. Descartes largou uma vida de estudos para andar, viajar, conhecer de outro ângulo, sem filtros (que seriam os livros).

Melhor do que ler histórias de aventureiros pelo mundo, é conhecer os lugares por onde eles passam. É comer alimentos típicos de cada lugar; é conversar pessoalmente com os nativos, aprender, mas também ensinar. Melhor do que ver fotos do Pantanal e ler sobre, é estar lá. Ver de perto cada animal, comer frutos da região, pular nos rios, respirar o ar fabricado ali, por máquinas divinas, belas, benéficas e perfeitas.

Um intelectual acostumado com ternos, gravatas, salas bem equipadas e linguajar rebuscado, torna-se um patinho quando sai da cápsula. Não sabe subir numa árvore para pegar jabuticaba, nem comer manga sem talheres especializados, muito menos passar despercebido, o que é muito natural.

Isso não se resume aos intelectuais, mas estende-se aos grandes homens de negócio. Passam o dia preocupados com as bolsas de valores, com a cotação do dólar, em ampliar e aplicar os lucros, além de conquistar apoio no Congresso. Pobre rico, mal consegue apreciar e se emocionar com uma simples poesia do Drummond.


Amigos, só para aproveitar a deixa, publico uma poesia do Drummond:
Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

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