Que manhã! Sabe aquelas manhãs prazerosas? Não, você não está entendendo, prazerosas messsssmo. Que dão gosto de viver? Batista acordou assim, satisfeito naquela sexta-feira, de bem com o mundo. Um visível bom humor que se manifestava no rosto, no modo de andar, falar, comer, gesticular. Fora avisado na noite anterior de que receberia um bom aumento de salário, além de um considerável bônus extra pela produtividade do mês anterior. O setor de captação de alunos da universidade, gerenciado por Batista, ultrapassara em 23,2% a meta prevista para atrair novos estudantes-clientes, ou melhor, clientes-estudantes.
Para melhorar, Nila aguardava ansiosamente a chegada de gêmeos. Batista e a esposa queriam logo saber os sexos. Preferiam um casal. "Lucas e Gabriela", sugeria Nila. "Não, prefiro Arthur e Flor", argumentava Batista. Há três dias, ficavam nessa amistosa "discussão". Poderia haver momento melhor, mais feliz? Fala a verdade? Sim, poderia. Ele estava de folga nesta sexta-feira.
Ao acordar, foi recepcionado com uma deliciosa e farta bandeja de café da manhã: leite, variados sucos, vitaminas, pães, biscoitos, torradas, geléia, requeijão, frutas, queijos, presunto, ovos, iogurte e um pequeno envelope verde com dizeres românticos escritos à mão (até pensei em publicar aqui, mas preferi poupá-los. Era um tanto íntimo e cafona). Dentro, uma pequena e sincera carta com direito a todos aqueles sentimentalismos exagerados do casal apaixonado. Ô cafonice boa!
Depois do café, brincou pacientemente com o vira-lata Pingo no gramado, um cachorro que encontrara há dois anos abandonado próximo à casa dele. Desde então, Pingo cresceu e se fortaleceu de forma impressionante. Ninguém apostaria que o bichinho tivera um passado daqueles.
Batista parou um pouco para ler todas as colunas de opinião do O Globo e do Jornal do Brasil. Nem perdeu tempo para saber do que se tratavam as manchetes e notícias em geral. Fez muito bem. Era muito bem-estar para deixar se contaminar pela corrupção, acidentes, assaltos, crise, inflação e todas essas chatices cotidianas. Aliás, costumava pensar, o cotidiano é brega e tolo. De todos os textos, ficou bem interessado em um escrito por Fernando Veríssimo, que relacionava a curiosidade do homem à nossa inquietação.
Nila o chamou para almoçar, mas Batista preferiu deixar para mais tarde. Passaria no banco antes para pagar uma conta. Sem pressa alguma, claro! Já ouviu o refrão "deixa a vida me levar" cantado por Zeca Pagodinho? Pronto, o trecho traduzia exatamente a sexta-feira do Arlindo Batista! Deixou o EcoSport na garagem. Preferiu sair com o Fusca 74 azul todo original e conservadíssimo. A beleza foi um presente do tio, que o ensinou a dirigir. O pai era um homem muito ocupado com a mercearia, com a administração da casa e da família. Por volta de 10 anos de idade, Batista já dirigia como poucos, parecia um adulto experiente no assunto.
- Beijos, meu bem. Já já estou de volta. Prepare-se, porque quando eu voltar, vamos para... bem, depois lhe conto. Melhor guardar segredo.
Nila, ansiosa, já ia insistir, quando o marido sorriu e arrancou com o carro, despertando nela uma encantadora irritação, coisa que o sedutor fazia com muita habilidade.
(Continua...)
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