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quinta-feira, 14 de maio de 2009

Por trás da cortina (parte 2)

A casa do professor Arthur Amadeu ficava em torno de 20 a 25 minutos de onde morava Caco. Às 13h este já estava pronto para ir ao encontro. Assim que ligou o carro, porém, o celular tocou. Era Flor. “ Putzzzzz, esqueci completamente!”. Ele havia marcado com a namorada de assistir a um filme no shopping às 12h50.

Caco atendeu à ligação e... ouviu, ouviu, ouviu... Flor mostrava-se realmente irritada com a falha do namorado. Havia preparado-se toda, programado-se, mas Caco deu a mínima. Empolgado com a possibilidade de aprender muito com o senhor Amadeu, o rapaz acabou esquecendo o filme, a namorada. Tudo. Permaneceram por uns 10 minutos discutindo. Xingamentos, palavras e frases grosseiras, acusações...

Na verdade, essa explosão já vinha sendo anunciada há algum tempo. Desde que se conheceram, há dois meses e meio, discutiam bastante. Gostavam mesmo um do outro, mas a freqüência dos atritos enfraquecia o relacionamento. Houve uma semana em que chegaram a se separar duas vezes. Terça-feira à tarde, eles terminaram. Voltaram quarta às 11h30. Separaram novamente quinta à noite e reataram sábado pela manhã. O namoro vivia de altos e baixos, como um, veja só, ioiô e uma gangorra.

O fato é que Caco seguiu para estudar. Resolveria mais essa picuinha mais tarde, numa outra oportunidade. Ao chegar, foi recebido por uma figura menos séria e mais receptiva do que costumava ser na universidade, embora ainda com aquele ar sisudo de intelectual conservador. No apartamento, livros espalhados por todos os lados, formando, inclusive, pilhas que serviam como estrutura de sustenção da mesa. Centenas de livros. “Do Contrato Social”. Este era o livro que o senhor Amadeu segurava quando fora recepcionar o rapaz.

- Que agradável surpresa, meu caro! Não imaginava que realmente viria. Muitos dos meus alunos apenas falam, marcam, mas não comparecem. Mas, vamos, vamos ao que importa. Entre, por favor. Estava trabalhando um livro que pretendo lançar ano que vem. É sobre o que há de política atualmente na sociedade, como acontece a prática política e também o conteúdo educacional transmitido nos colégios do ensino médio.

- Nossa! Bem legal. Fale mais sobre esse projeto.

Professor e aluno sentaram no sofá da sala e conversaram durante horas sem perceber que o tempo passava. Nem lembravam a existência desta dimensão. Começaram falando a respeito do livro que vinha sendo elaborado, passaram para pesquisa em geral na faculdade e, claro, traçaram linhas e estratégias de estudo para a monografia do Caco. O tema? As transformações sociais geradas pela chamada Sociedade da Informação e como a nova dinâmica afeta as tradições.

Esse foi apenas o primeiro de uma série de encontros, nos quais Caco percebera um outro lado daquele professor sério, anti-social. Ele também era humano, simpático e divertido. Fazia piadas, dava gargalhadas e conversava a respeito de outros assuntos que não fossem acadêmicos: futebol, mulher, música, viagem...

Aos poucos, foram percebendo que já eram amigos, que a relação não mais limitava-se à sala de aula. Havia sido expandida. Do apartamento do professor, ambos passaram a tomar cerveja no botequim da esquina, no Bar do Milton, uma figura característica do bairro, botafoguense roxo, digo, alvinegro... de coração mesmo, daqueles que nem abrem o bar segunda-feira após o time perder um clássico.

O senhor Amadeu tornou-se botafoguense por influência do Milton. Quando deixou o Chile para morar no Brasil, conhecia mais o Flamengo, time pelo qual tinha uma queda, mas no ano em que chegou ao país, o Botafogo faturou sobre o Santos o título brasileiro. Durante quase um mês, Milton promoveu festas no bar, o que acabou contagiando o professor.

Por outro lado, Caco era flamenguista, mas daqueles torcedores que mal sabiam o nome do técnico da equipe.

Foi nesse clima de futebol, porém, que a monografia começou a se desenvolver.
(continua...)

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